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     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

     Sagres, Algarve: finais do século XIX, região do sul de Portugal e uma das vilas mais antigas daquelas bandas. Vila histórica portuguesa do concelho de Vila do Bispo. Diz a tradição que foi ali que o infante Henrique (1394-1460) criou a escola náutica no século XV. Infante, filho de um rei português, João I e de uma inglesa Filipa de Lencastre, filha de um duque, seu avô. Sagres era a terra da personagem desde nosso conto –Afonso ‘o dos livros’ – nome e apelido (alcunha em Portugal). Aliás levava o mesmo nome de Afonso Henriques (1109-1185), primeiro rei de Portugal.

     Certamente seu pai havia escolhido esse nome em homenagem ao antigo rei. Afonso vivia sozinho naquela vila, pois seus pais morreram cedo devido a um surto de cólera (cholera-morbus) comum no século XIX na Europa e Portugal. Outras pandemias conhecidas na Europa eram a peste bubónica, varíola, lepra, febre-amarela.

     Afonso nunca se casara e a solidão era sua fiel companheira. Contava Afonso 35 anos de idade e catador de bugigangas compulsivo. Sua casa entulhada com muitas coisas. Naquela manhã de sábado resolvera sair mais cedo para o seu passeio matinal. Com um carrinho vazio começou a percorrer as ruas do pequeno vilarejo onde morava. Afonso se sentia muito só. Precisava de algo que o alegrasse naquele dia tão belo e ensolarado. Podia sentir a brisa que vinha do mar. Respirou fundo e continuou a sua caminhada. Logo passou um transeunte e lhe diz bom-dia, ao que Afonso responde …dia. Era um homem de poucas palavras, sabia que sua aparência não agradava, também não era adepto de banhos, aliás comum em muitos lares. Suas roupas nem sempre estavam limpas. Enfim era a vida que lhe restava.

     No seu deambular passava agora, pela rua em que morava uma professora que falecera há poucos dias. No alpendre (varanda) da casa desta, havia algumas centenas de livros abandonados em monte. Sentado, desconsolado, havia um rapaz franzino e muito triste. Afonso pergunta-lhe o que ira fazer com os livros. O rapaz sem nem olhar direito para Afonso lhe diz que vão para o lixo. Afonso então lhe pede que os dê. Dando de ombros o rapaz diz que os pode levar. Carregando o seu carrinho Afonso faz várias viagens. Precisaria de um lugar muito bom para guardá-los, pois, os livros eram muito bons e úteis. Era o pensamento de Afonso.

     Assim se passaram vinte anos. Finalmente o século XX chegara. No entanto, a pequena vila não crescera muito. Os jovens, de família de posses, quando cresciam iam embora estudar para a capital, Lisboa ou Coimbra. Afonso iniciaria uma nova trajetória. Mas agora eram somente os livros que lhe interessavam. Sua casa virou uma “biblioteca pública.”    Os livros todos bem protegidos em armários altos que as pessoas doavam para ele. Se fosse contar passariam de vários milhares naquele espaço, agora pequeno. Sua casa por dentro lotada de livros a transbordar para fora. Pouco espaço havia para a sua cama, um velho fogão de lenha que um dos moradores da vila lhe doara.

     O tempo vai passando implacável…1915, Afonso contava já com quase 60 anos e virara um homem muito conhecido e respeitado em toda região: ‘O senhor Afonso é o rei dos livros.’ O povo assim dizia. O visado achava graça e sorria com os comentários.

     Afinal os seus livros eram os companheiros da sua vida por tantos anos e já nem saberia fazer outra coisa além de colecioná-los em sua casa. As pessoas procuravam-lhe tanto para lhe doar livros, como para lhe pedir conselhos. Quase nem tinha mais tempo para fazer o que mais gostava –, procurar livros pelas ruas e alpendres. Certa tarde um jovem de vinte e poucos anos pede para falar com Afonso. Este o recebe em sua pequena sala. Fica curioso em saber o que uma pessoa jovem quereria com esse velho colecionador de livros.

     Talvez um conselho? Brigou com a família e agora quer fazer as pazes? Bem… precisaria deixar o rapaz falar e assim saberia do que se tratava. Quando terminara de dizer o que viera fazer, Afonso ri por achar graça daquilo tudo. O rapaz queria fazer uma montanha de livros a beira-mar e poder deslizar sobre os mesmos até ao mar. Achou coisa de maluco, mas disse que ia pensar e no fim da tarde lhe daria uma resposta.

     O colecionador de livros passou a tarde toda pensando numa forma de fazer o jovem desistir de seu intento. Achou a resposta e mandou chamá-lo através de um moço que sempre lhe trazia livros doados por alguns vizinhos. Rapidamente, o jovem estava sentado diante de Afonso. Este… respirando fundo disse-lhe:

- ‘Muito bem rapaz, você quer fazer uma montanha com meus livros, a beira-mar, para deslizar sobre eles até à água. Pensei bem e decidi propor-lhe o seguinte: se você conseguir ler a montanha de livros que quer levar até a beira-mar eu mesmo ajudo a levá-los até lá.’ Atónito o rapaz responde que seria impossível. Levaria anos para ler tudo aquilo. Aí Afonso diz-lhe: - ‘Então meu caro jovem, a porta da rua é serventia da casa.’ Todavia, o que não contava Afonso é que o rapaz fosse mais esperto ainda: - ‘Senhor Afonso… posso tentar ler alguns dos livros que aqui estão, mas o senhor poderia selecioná-los para que eu os possa ler? Não quero ler matemática, física, química, e nem tão pouco geografia. Pode separá-los para mim?’ Afonso olhou para o rapaz e responde-lhe:

- ‘Moço, vamos fazer o seguinte – você escolhe os livros, lê a capa, e também o resumo que está atrás na contracapa, e estamos quites!’

- ‘Sim senhor Afonso, tudo bem, mas por favor…me chame pelo meu nome… Manoel!’ Apertaram as mãos e ficaram combinados que no dia seguinte Manoel começaria a ler os títulos e os resumos dos livros para Afonso. Sorrindo muito… Afonso, ‘o dos livros’ despediu-se do moço e adentrou-se na sua casa pensativo e a um tempo feliz. Afinal alguém se interessara por seus livros, nem que fosse para algo tão louco.

     Chegara o domingo, Afonso estava tomando sua refeição da manhã quando ouviu baterem na porta. Era Manoel, entusiasmado com uma pequena mochila nas costas. Sorria para o seu anfitrião. Afonso pergunta-lhe onde dormira, já que por ali não havia hospedarias, somente algumas pessoas albergavam alguém, uma vez, ou outra, a casais ou amigos que visitavam a vila.

- ‘Dormi na casa da dona Maria lá da esquina. Foi a resposta de Manoel!’

- ‘Ah sim, uma boa casa... Está pronto para começar a sua tarefa Manoel?’

- ‘Logicamente senhor Afonso.’ Os dois encaminharam-se para o que restara da pequena sala. Manoel dá início à leitura das capas e dos resumos. Afonso sentando em sua cadeira, deleitado, fecha os olhos e vai ouvindo a leitura de Manoel.

     Finalmente achara alguém que sabia ler e escrever. Pois Afonso ‘o dos livros’ era analfabeto, nunca frequentara uma escola, nem sabia assinar o seu nome e pelos vistos ninguém sabia. Porém, todos vinham ter com ele para pedir conselhos e sanar dúvidas. Afinal, ele era o Afonso ‘o dos livros.’

     Enriqueceria seus conhecimentos em alguns dias. Ficaria ainda mais sábio, já não só pela aparência de ter muitos livros a enfeitar a casa, como muitos ainda fazem hoje em dia! É que parecer não é ser!

(Conto inspirado num sonho da Autora).

Silvya Botton Gallanni. ©

 

Silvya Gallanni
Enviado por VuJonga em 27/03/2022
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